sexta-feira, 9 de maio de 2008

Imagens...(Em ordem de aparição)
-Corpus Medius, 2000, Witkin
-Sem Título(Série Bondage), 1997, Araki
-Greer and Robert in bed, 1982, Goldin
Série B:Naturezas Mortas
O corpo tornado objeto suspenso no tempo e no espaço pode ser pensado como um princípio conceitual de mumificação: essa fabricação da perenidade acontece pelo petrificar-se do orgânico trasformado em ser inanimado, artifício simulado de uma pretensa eternidade essencial. A múmia é senão a morte materializada, presente, imóvel e perene, da mesma maneira que o é o Still Life enquanto gênero icônico.
Nas fotografias propostas nessa série parece haver uma imobilidade iconoplástica deliberada dos corpos, potecializada pela horizontalidade das figuras centrais. O cadáver despedaçado da imagem de Witkin é óbvio nessa sensação da inércia, trata-se de um corpo retalhado e exposto sobre uma mesa como que num ambiente de autópsia ( o preto e branco uniforme, sem as típicas intervenções do artista, criam essa ambientação mais ascética, limpa), ao mesmo tempo em que lembra os pedaços de caça sobre a mesa das Naturezas Mortas barrocas. A posição das pernas aludem como ironia a uma outra encenação pictória clássica e eternizada por Jacques-Louis David (1748-1825). A sensação estética é de um silêncio mórbido e distante (o distanciamento da ironia, trata-se de um corpo masculino) alegórico na medida em que se estabelece essa correspondência entre a tradição visual e a mumificação do corpo, aqui em sentido oposto ao da idealização, e revelador de sua essência necrófila.
A imobilidade em Araki parece ser de uma outra ordem: a figura está atada e suspensa, uma posição de completa artificialidade como que negada sua condição humana. O rosto coberto exacerba essa sensação: trata-se de um objeto, o corpo destituído de sua natureza. A pele se opõem ao fundo negro disforme e uma sombra logo abaixo colabora para essa estética artificial e um tanto assustadora, parece sufocante, ela estaria morta, pois mesmo se viva, aponta para a submissão que á imobiliza…O corpo está intacto, contido por uma finalidade externa à imagem que não nos pertence. Uma imagem de ausência e de distância, é uma figura que não nos atinge, sobretudo pelo oculto de seu rosto, o que acontece de maneira diversa na fotografia de Nan Goldin. O fundo amarelo envelhecido (com ruídos parecido com os do fundo na imagem de Araki), ecoa nos cabelos e olhos da moça pálida de expressão apática e inerte, a figura central na foto. A máscara olha diretamente para ela, numa declarada persomificação do objeto (prosopopéia) enquanto o homem, uma figura distoante em preto, olha para baixo. Um silêncio toma conta da imagem, no entanto há um peso contido de sentimento, passado pelas cores, pelos rostos das figuras, pelo clima intimista da imagem, tão característico de Goldin. A posição vertical masculina se contrasta com o horizontal da figura feminina, a qual não somente denota sua inércia pela postura, mas pela expressão que se compara a de alguém em seu leito de morte, ou a de mulheres catalépticas da literatura de Edgar Allan Poe. Descrição da personagem feminina de A Queda da Casa de Usher:
A enfermidade que levara Lady Madeline ao túmulo em plena juventude deixara, como ocorre comumente em todas as doenças de caráter cataléptico, a ironia de uma ligeira coloração sobre o seio e o rosto e, nos lábios, esse sorriso equivocadamente parado, que é tão terrível na morte…
Poe, p.21, 1981
Descrição de Berenice no conto que leva o mesmo nome:
A testa era ampla, muito pálida e singularmente plácida; cabelos, em outros tempos cor de Aleichem cobriam-na em parte, tapando-lhe as frontes encovadas com inúmeros anéis, agora de um loiro vivo, destoando acentuadamente em seu aspecto fantástico, da melancholia predominante de seu rosto. Os olhos sem vida e sem brilho pareciam sem pupilas…
Poe, p.61, 1981

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