sexta-feira, 9 de maio de 2008



Imagens... (Em ordem de aparição)
-Valerie in the Mirror, 1999, Goldin
-Sem Título(série bondage),
1997, Araki
-Woman once a bird, 1990, Witkin

Série A: A Linha Serpentina
A imagem do torso feminino é recorrente na cultura ocidental: o nu clássico, desde a Vênus de Milo grega até a Banhista de Ingres, se mostra obsessivo com o traço e as linhas que seguem a coluna e se curvam como que em movimentos lascivious de serpentes. Aliás não obstante linha serpentina é o nome dado ao traçado dos corpos, em especial das mulheres, nas imagens de Ingres. O pintor que leva ao extremo, sem comprometer a sensação realista neoclássica, a deformação anatômica se vê como que na intenção de envergar os torsos e pescoços de suas figuras transformando-as em discretas aberrações de uma beleza insuperável: são imagens do belo espiritual, a metafísica de Plotino (205-270 dc) materializada na pintura:
…Como poderias ver que espécie de beleza a alma possui…Retorna a ti próprio e vê. E se a ti próprio não vês belo, tal como aquele que faz uma estátua que deve ser bela uma parte retira, outra pule, aplaina e limpa, até revelar, na estátua, uma bela face, assim também deves retirar todo o excesso e entireties o torto, limpando o escuro, torná-lo brilhante, e nunca parar de trabalhar sua estátua até que a divina glória da virtude te ilumine…
Plotino, p.26 e 27, 2004
A primeira série de fotografias podem ser pensadas dentro dessa questão que é da ordem do formal, mas principalmente se articula no sentido icônico, pois referencia a tradição pictória do nú e mais ainda o discute enquanto discurso sobre os corpos e sobre a feminilidade.
Em Nan encontramos a figura de costas sobre o fundo denso e vermelho, e logo a linha do vestido que acompanha as belas curvas nos salta aos olhos. A pele através do tecido transparente contrasta com o vermelho de trás e parece criar uma sensação maior de tridimensionalidade. O espelho em posição central na imagem estabelece uma espécie de compensação para o peso dos objetos e figura ao lado direito, da mesma forma que iluminação: o tom mais escuro no canto inferior esquerdo nos alivia da claridade amarelada do abajour, acentuando ao mesmo tempo, o vermelho profundo.

Se as linhas sinuosas do corpo retratado, assim como a luminosidade de sua pele em repetição com a do abajur, exaltam o sensual, as cores de fundo na imagem parecem criar uma sensação de calor e intimidade que é desconsertante, o que se confirma de certa forma pela imagem refletida no espelho. Há uma expectativa frustada de se ver o rosto, já que este só aparece encoberto pelas mãos, como que num gesto de choro. Podemos argumentar que esse sensualismo aliado à uma sensação de desconforto se dá como o sema (unidade central e primeira de significação) plástico na imagem, pensando nos elementos formais como um conjunto. A partir dessa sensação estética, aliada a constatação icônica sobre um diálogo com a tradição pictória do nú, pode-se asserir sobre a imagem uma iconoplastia metonímica, já que a forma harmônica feminina não é exatamente a mesma do nú clássico, sua beleza agradável se perturba pela ambientação lúgubre, mas principalmente pela expressão no espelho que evoca a dor, um contraste hiperbólico, assim como a cromaticidade da imagem.
As fotografias de Araki e Witkin também retomam a questão da linha e do traço serpentino no mesma instância dessa metáfora subvertida, no entanto de maneira ainda mais perversa. Se em Araki este corpo é atado e envergado com o rosto para baixo, evocando o caráter subrreptício da submissão ao olhar, condição de objeto passivo de contemplação e fascínio encontrado nas odaliscas e banhistas de Ingres por exemplo, em Witkin este corpo, a parte toda a beleza das formas, se encontra não apenas em notável estado de decomposição, mas está violado, rasgado na pele e deformado pelo objeto que lembra os corsets vitorianos. Essa figura putrefata é ecoada pela moldura amorfa, obtida por processos de intervenção que Witkin introduz na fotografia como que para deformá-la também, criando uma fala coesa e aterrorizante sobre o corpo como entidade do grotesco e do abjeto. Uma negação completa do asceticismo visual neoplatônico, mas que revela o sentido dualista romântico da pintura de Ingres: esta parece ser a aproximação maior com o subliminar de sua pintura, um discurso sobre a beleza idealizada que é senão a deformação do natural, da realidade fenomenológica.

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