sexta-feira, 30 de maio de 2008

Degenerescência...

Algumas imagens do ensaio Desgenerescência, 2008...




...feita de contenção, discrição, doçura, passividade, submissão (sempre dizer sim, jamais não), pudor, silêncio...
Michelle Perrot, Os Silêncios do Corpo da Mulher (2003)





“The fantasy of a pure self, desengaged from nature, perpetuates traditional western views about the body´s worthlessness by comparison with the mind”
“...the cyborg presents a pure, clean, hard, tight and uncontaminated body...a body which does not suffer...does not die...'Puritanical' body without secretions and indiscretions...”
“...if the natural body is lacking and fragmented, the machine may make it whole...”
“The vampire body is the epitome of a body without origin. It frustates all aspirations to discover where we come from.”
“...the hybrid body...emphasize that unity is a illusion by disrupting the boudaries between the human and the animal, the natural and the constructed...”
Cavallaro, The Body (1997)






“...os impulsos instintuais ...se revelam como



derivados de Eros...,visto que não podemos fugir



a essa concepção, somos levados a concluir que os



instintos de morte são, por sua natureza, mudos e que o clamor da vida procede, na maior parte, de Eros.”
Freud, O Ego e o Id (1923)





"My life is bitter with thy love; thine eyes
Blind me,thy tresses burn me,thy sharp sighs
Divide my flesh and spirit with soft sound,
And my blood strengthens,end my veins abound.
I pray thee sigh not, speak not, draw not breath;
Let life burn down, and dream it is not death
I would the sea had hidden us, the fire
(Wilt thou fear that, and fear not my desire?)
Severed the bones that bleach,the flesh that cleaves,
And let our sifted ashes drop like leaves."
Swinburne, Trecho de Anactoria (1866)









"...Tristemente me sinto
das forças despojado
e músculo algum posso
mover, assim deitado.
Mas que importa? Prefiro
ficar assim deitado.



E em meu leito descanso,
com tamanho conforto
que, ao ver-me, poderiam
imaginar-me morto;
talvez estremecessem,
como quem olha um morto.












...



E, aqui jazendo,o espírito,
tão calmo e satisfeito,
crê que o cerca um mais santo
odor de rosmaninho
misto de amor-perfeito,
de malva.do belíssimo
e puro amor-perfeito."



Poe, Trecho de Para Annie (1832)

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Imagens...(Em ordem de aparição)
Sem Título(série Erotic Woman in Color, 1998, Araki
Leda, 1986, Witkin
Trickie on the Cot, 1979, Goldin
Série C: O Impuro
Em contraste com a estaticidade da beleza e do amor espiritual almejados pela metafísica, o corpo feminino aparece como signo de impureza, pois sua dimensão orgânica é muito mais evidente; a natureza animal humana, significada principalmente pelo sangue, marca sua sexualidade, e na impossibilidade de se conciliar essência e existência, o feminino enquanto conceito e materia se vê legado á margem: numa civilização fundamentada no visualismo, na prioridade do olhar sobre os outros sentidos, apresenta-se como objeto de contemplação, sujeito ao olhar que constantemente tenta contê-lo na medida da idealização. No entanto o contemplar exaspera o fascínio desconsertante e obsessivo daquele que olha. E é então que sente-se a necessidade de torturar, desfigurar, tornar esse corpo aberrante, como que para negá-lo. O violênto se dá como violação do natureza transformada em horror: a abjeção e o grotesco podem ser entendidos como falas poéticas sobre essa separação irremediável entre corpo e alma. Se de um lado o asceticismo elabora sobre imagens idealizadas, as quais assumem o inanimado, o transcendente encontra sua versão hiperbólica em imagens do horrível, que se associam quase sempre a uma idéia de profanação do corpo feminino, nesse argumento se colocam as fotografias dessa última série.
A cromaticidade na imagem de Araki, obtida através da pintura da fotografia PB, em referência às técnicas e á estética da gravura japonesa, cria um tom expressionista, exaltando a figura pálida pela cor encoberta, seu caráter cadavérico: a tinta vermelha alude ao sangue e a tinta de uma maneira geral é aqui traçada de forma a aludir a fluidos corpóreos, numa sensação de intensidade emotional e sexual que contrasta e acentua o PB e a expressão e gestos inertes da mulher deitada.
A Leda de Witkin, personagem mítico de conotação explicidamente sexual, retratado por Leonardo da Vinci(1452-1519), também se apresenta no sentido expressionista da deformação: ao invés da bela jovem nua acalentada pelo cisnei, encontra-se uma figura masculina de completa decadência, e isso se ecoa pelos pequenos corpos caídos no chão e pelos riscos e intervenções quimícas da materialidade da foto (estas também parecem insinuar fluidos corpóreos), algo que Witkin faz exatamente para acentuar essa sensação estética da ruína e putrefação. A plasticidade se dá de maneira um tanto fria, esvaziada da hipérbole erótica, um distanciamento recorrente nas imagens do artista, o que, pode-se argumentar, justifique a figura masculina como a personagem de Leda, alterando o sentido do discurso da lenda original (hiperbato).
Fig.11: Leda e o Cisnei, 1515-1520, Da Vinci
Os tons vermelhos e amarelados assim somo a artificialidade da luz são fundamentos do trabalho de Nan e estão aqui presentes: o fundo e os elementos de cena colaboram para o sentido do exagero, do aberrante e do sujo (kitch). Há um ponto de luz logo acima de sua cabeça, indicando para o rosto que não se vê, o que acentua o artificial da imagem, e da própria mulher que mais parece uma boneca, pelas vestes incomuns, e pela maneira como seu corpo se curva, pernas e braços meio que jogados. É pelo cigarro que pode-se sentí-la proxima e real, na medida em que curva a cabeça para fumar e olha para baixo num gesto de melancolia subentendida.
Imagens...(Em ordem de aparição)
-Corpus Medius, 2000, Witkin
-Sem Título(Série Bondage), 1997, Araki
-Greer and Robert in bed, 1982, Goldin
Série B:Naturezas Mortas
O corpo tornado objeto suspenso no tempo e no espaço pode ser pensado como um princípio conceitual de mumificação: essa fabricação da perenidade acontece pelo petrificar-se do orgânico trasformado em ser inanimado, artifício simulado de uma pretensa eternidade essencial. A múmia é senão a morte materializada, presente, imóvel e perene, da mesma maneira que o é o Still Life enquanto gênero icônico.
Nas fotografias propostas nessa série parece haver uma imobilidade iconoplástica deliberada dos corpos, potecializada pela horizontalidade das figuras centrais. O cadáver despedaçado da imagem de Witkin é óbvio nessa sensação da inércia, trata-se de um corpo retalhado e exposto sobre uma mesa como que num ambiente de autópsia ( o preto e branco uniforme, sem as típicas intervenções do artista, criam essa ambientação mais ascética, limpa), ao mesmo tempo em que lembra os pedaços de caça sobre a mesa das Naturezas Mortas barrocas. A posição das pernas aludem como ironia a uma outra encenação pictória clássica e eternizada por Jacques-Louis David (1748-1825). A sensação estética é de um silêncio mórbido e distante (o distanciamento da ironia, trata-se de um corpo masculino) alegórico na medida em que se estabelece essa correspondência entre a tradição visual e a mumificação do corpo, aqui em sentido oposto ao da idealização, e revelador de sua essência necrófila.
A imobilidade em Araki parece ser de uma outra ordem: a figura está atada e suspensa, uma posição de completa artificialidade como que negada sua condição humana. O rosto coberto exacerba essa sensação: trata-se de um objeto, o corpo destituído de sua natureza. A pele se opõem ao fundo negro disforme e uma sombra logo abaixo colabora para essa estética artificial e um tanto assustadora, parece sufocante, ela estaria morta, pois mesmo se viva, aponta para a submissão que á imobiliza…O corpo está intacto, contido por uma finalidade externa à imagem que não nos pertence. Uma imagem de ausência e de distância, é uma figura que não nos atinge, sobretudo pelo oculto de seu rosto, o que acontece de maneira diversa na fotografia de Nan Goldin. O fundo amarelo envelhecido (com ruídos parecido com os do fundo na imagem de Araki), ecoa nos cabelos e olhos da moça pálida de expressão apática e inerte, a figura central na foto. A máscara olha diretamente para ela, numa declarada persomificação do objeto (prosopopéia) enquanto o homem, uma figura distoante em preto, olha para baixo. Um silêncio toma conta da imagem, no entanto há um peso contido de sentimento, passado pelas cores, pelos rostos das figuras, pelo clima intimista da imagem, tão característico de Goldin. A posição vertical masculina se contrasta com o horizontal da figura feminina, a qual não somente denota sua inércia pela postura, mas pela expressão que se compara a de alguém em seu leito de morte, ou a de mulheres catalépticas da literatura de Edgar Allan Poe. Descrição da personagem feminina de A Queda da Casa de Usher:
A enfermidade que levara Lady Madeline ao túmulo em plena juventude deixara, como ocorre comumente em todas as doenças de caráter cataléptico, a ironia de uma ligeira coloração sobre o seio e o rosto e, nos lábios, esse sorriso equivocadamente parado, que é tão terrível na morte…
Poe, p.21, 1981
Descrição de Berenice no conto que leva o mesmo nome:
A testa era ampla, muito pálida e singularmente plácida; cabelos, em outros tempos cor de Aleichem cobriam-na em parte, tapando-lhe as frontes encovadas com inúmeros anéis, agora de um loiro vivo, destoando acentuadamente em seu aspecto fantástico, da melancholia predominante de seu rosto. Os olhos sem vida e sem brilho pareciam sem pupilas…
Poe, p.61, 1981


Imagens... (Em ordem de aparição)
-Valerie in the Mirror, 1999, Goldin
-Sem Título(série bondage),
1997, Araki
-Woman once a bird, 1990, Witkin

Série A: A Linha Serpentina
A imagem do torso feminino é recorrente na cultura ocidental: o nu clássico, desde a Vênus de Milo grega até a Banhista de Ingres, se mostra obsessivo com o traço e as linhas que seguem a coluna e se curvam como que em movimentos lascivious de serpentes. Aliás não obstante linha serpentina é o nome dado ao traçado dos corpos, em especial das mulheres, nas imagens de Ingres. O pintor que leva ao extremo, sem comprometer a sensação realista neoclássica, a deformação anatômica se vê como que na intenção de envergar os torsos e pescoços de suas figuras transformando-as em discretas aberrações de uma beleza insuperável: são imagens do belo espiritual, a metafísica de Plotino (205-270 dc) materializada na pintura:
…Como poderias ver que espécie de beleza a alma possui…Retorna a ti próprio e vê. E se a ti próprio não vês belo, tal como aquele que faz uma estátua que deve ser bela uma parte retira, outra pule, aplaina e limpa, até revelar, na estátua, uma bela face, assim também deves retirar todo o excesso e entireties o torto, limpando o escuro, torná-lo brilhante, e nunca parar de trabalhar sua estátua até que a divina glória da virtude te ilumine…
Plotino, p.26 e 27, 2004
A primeira série de fotografias podem ser pensadas dentro dessa questão que é da ordem do formal, mas principalmente se articula no sentido icônico, pois referencia a tradição pictória do nú e mais ainda o discute enquanto discurso sobre os corpos e sobre a feminilidade.
Em Nan encontramos a figura de costas sobre o fundo denso e vermelho, e logo a linha do vestido que acompanha as belas curvas nos salta aos olhos. A pele através do tecido transparente contrasta com o vermelho de trás e parece criar uma sensação maior de tridimensionalidade. O espelho em posição central na imagem estabelece uma espécie de compensação para o peso dos objetos e figura ao lado direito, da mesma forma que iluminação: o tom mais escuro no canto inferior esquerdo nos alivia da claridade amarelada do abajour, acentuando ao mesmo tempo, o vermelho profundo.

Se as linhas sinuosas do corpo retratado, assim como a luminosidade de sua pele em repetição com a do abajur, exaltam o sensual, as cores de fundo na imagem parecem criar uma sensação de calor e intimidade que é desconsertante, o que se confirma de certa forma pela imagem refletida no espelho. Há uma expectativa frustada de se ver o rosto, já que este só aparece encoberto pelas mãos, como que num gesto de choro. Podemos argumentar que esse sensualismo aliado à uma sensação de desconforto se dá como o sema (unidade central e primeira de significação) plástico na imagem, pensando nos elementos formais como um conjunto. A partir dessa sensação estética, aliada a constatação icônica sobre um diálogo com a tradição pictória do nú, pode-se asserir sobre a imagem uma iconoplastia metonímica, já que a forma harmônica feminina não é exatamente a mesma do nú clássico, sua beleza agradável se perturba pela ambientação lúgubre, mas principalmente pela expressão no espelho que evoca a dor, um contraste hiperbólico, assim como a cromaticidade da imagem.
As fotografias de Araki e Witkin também retomam a questão da linha e do traço serpentino no mesma instância dessa metáfora subvertida, no entanto de maneira ainda mais perversa. Se em Araki este corpo é atado e envergado com o rosto para baixo, evocando o caráter subrreptício da submissão ao olhar, condição de objeto passivo de contemplação e fascínio encontrado nas odaliscas e banhistas de Ingres por exemplo, em Witkin este corpo, a parte toda a beleza das formas, se encontra não apenas em notável estado de decomposição, mas está violado, rasgado na pele e deformado pelo objeto que lembra os corsets vitorianos. Essa figura putrefata é ecoada pela moldura amorfa, obtida por processos de intervenção que Witkin introduz na fotografia como que para deformá-la também, criando uma fala coesa e aterrorizante sobre o corpo como entidade do grotesco e do abjeto. Uma negação completa do asceticismo visual neoplatônico, mas que revela o sentido dualista romântico da pintura de Ingres: esta parece ser a aproximação maior com o subliminar de sua pintura, um discurso sobre a beleza idealizada que é senão a deformação do natural, da realidade fenomenológica.

sexta-feira, 4 de abril de 2008



A Imperatriz...(2006)

Projeto Multimídia...

Projeto Multimídia:
Trata-se de uma estância de construção de um site para exposição de trabalhos fotográficos feitos durante uma pesquisa de iniciação científica.
A construção desse site e das imagens, assim como do relatório final se dá por meio de um blog.

sábado, 15 de março de 2008


O escritor e seus múltiplos vem vos dizer adeus.
Tentou na palavra o extremo-tudo
E esboçou-se santo, prostituto e corifeu.
A infância foi velada: obscura na teia da poesia e da loucura.
A juventude apenas uma lauda de lascívia, de frêmito
Tempo-Nada na página.
Depois, transgressor metalescente de percursos
Colou-se à compaixão, abismos e à sua própria sombra.
Poupem-no o desperdício de explicar o ato de brincar.
A dádiva de antes (a obra) excedeu-se no luxo.
O Caderno Rosa é apenas resíduo de um "Potlatch".
E hoje, repetindo Bataille: Sinto-me livre para fracassar.
Hilda Hilst